Por que se associar?


O quê é que escalar no Campo Escola da Barra da Lagoa tem a ver com a ACEM?

No dia 15 de julho de 2018, domingo, estivemos Jomi e eu, associados da ACEM, no Campo Escola da Barra da Lagoa para coletar amostras (imagem ao lado) para o Anchor Corrosion Group da UIAA. 1-Qual a importância disso?

Fazia tempo que não víamos tantas pessoas por ali, pelo menos quinze entre escaladores e acompanhantes. 2-Por que será que tinha “tanta gente” escalando ali nesse dia? A resposta curta para essa segunda pergunta é que quem conhece essa área de escalada, sabe que é um lugar espetacular, com ótimas vias, muito agradável num dia de inverno com sol e sem vento como foi aquele domingo. Quem foi só para passear se divertiu. Quem foi para escalar se divertiu. Mas para poder responder à primeira pergunta, preciso da resposta (nem tão) longa à segunda pergunta.

O Campo Escola da Barra da Lagoa foi “criado” efetivamente em 2006 em um esforço coordenado pelo escalador Marius Bagnati para realização de uma abertura de temporada da ACEM. Ele e mais uma dezena de associados da ACEM equiparam as mais de 30 vias de excelente qualidade no local. Um croqui foi disponibilizado pela ACEM. Ao longo de 2006 e 2007 ir escalar no Campo Escola da Barra da Lagoa e encontrar cinco, dez ou quinze escaladores num dia de tempo bom era algo corriqueiro.

Infelizmente nessa mesma época, incidentes de quebra de proteções de aço inox em áreas de escalada à beira-mar, notadamente na Tailândia, mas também em outras localidades, viraram notícia. A causa era stress corrosion cracking (SCC). A disseminação desenfreada de que proteções de aço-inox à beira-mar eram perigosas caiu na boca dos escaladores, e aos poucos o Campo Escola da Barra da Lagoa deixou de ser frequentado. Virou uma área de escalada fantasma.

Na época em que essas notícias começaram a circular eu era coordenador da ACEM e fiz contato com a Bonier, fabricante das chapeletas utilizadas no campo escola. À época eles não tinham informações suficientes e não puderam se posicionar sobre o tema. As informações continuaram desencontradas e a UIAA passou a não recomendar o uso de aço-inox, em particular o aço 304, exatamente o tipo usado no Campo Escola da Barra da Lagoa. Porém, ao longo dos anos subsequentes não tomamos conhecimento de nenhum acidente com chapeletas de aço-inox Bonier por SCC no Brasil, em que pese nosso extenso litoral, rico em áreas de escalada equipadas com chapeletas.

Foram quase dez anos de limbo para o campo escola. Embora o próprio Marius Bagnati já sugerisse há alguns anos que fossem feitos testes no local, só em 2017 foi possível reunir um número suficiente de interessados e material para os testes. Em dezembro de 2017 associados da ACEM carregaram 80 kg de pesos (ver imagem ao lado), fora material de escalada e acessórios para os testes, pela trilha até a área de escalada. Os pesos foram utilizados para efetuar testes de carga diretamente em duas chapeletas instaladas no local. Nenhum dos testes quebrou as chapeletas. Ocorreram apenas danos de deformação, esperados dadas as forças envolvidas. Num dos testes, a fita de Dyneema chegou a romper.

Não satisfeitos com os ótimos resultados obtidos nos testes de carga, os associados da ACEM ainda retiraram chapeletas do local para análise de microestrutura por microscopia óptica pelo escalador e Prof. Dr. Cristiano da Silva Teixeira. Não foi identificada a presença de fraturas nas amostras analisadas (ver imagem ao lado).

A repercussão entre a comunidade escaladora dos resultados obtidos pela ACEM resultou em um convite para que fosse feita uma apresentação no “I Seminário de Ancoragens Fixas em Áreas Naturais” realizado pela CBME e FEMERJ no Rio de Janeiro em abril de 2018. Participei do evento representando a ACEM.

Enquanto trabalhos são realizados para ter mais informações sobre a segurança do uso de proteções de aço-inox à beira-mar, a ACEM tem dado preferência ao uso de grampos de titânio nessa área de escalada (ver imagem ao lado). Já foi reequipada uma via (aquela onde foram realizados os testes) e foram duplicadas algumas das paradas que ainda não estavam duplicadas. Não há quem vá até lá e deixe de experimentar a “Duelo de Titãs”.

Os resultados obtidos pela ACEM ainda são incipientes, têm pouco valor estatístico, mas valor inestimável para a segurança dos escaladores. A escalada no Campo Escola da Barra da Lagoa e o uso de suas proteções fixas, como em qualquer outro local de escalada, ainda dependem do julgamento do próprio escalador. Mas os resultados sugerem que é seguro escalar no campo escola, a despeito das proteções serem de aço-inox e à Beira-mar, e dão subsídios para que o escalador fundamente melhor sua decisão. E é só por isso, ou seja, por causa do esforço de associados da ACEM, que depois de dez anos de ostracismo é possível encontrar quinze pessoas no mesmo dia escalando por lá sem temer pela sua segurança.

Não sei ao certo quantos entre os quinze presentes são associados à ACEM. Creio que a minoria. Não conheço mais os escaladores, exceto aqueles de vinte anos atrás, e não sou conhecido entre eles. Posso estar errado. Mas está mais do que na hora de os escaladores locais entenderem que as áreas de escalada não se mantêm por si só e que é preciso o seu envolvimento, engajamento e contribuição. Uma anuidade que não paga uma mensalidade de academia e algumas horas de trabalho ao invés de escalada num final de semana ou outro é tudo que um escalador pode fazer para manter as áreas de escaladas vivas.

A ACEM “criou” a área de escalada, a ACEM disponibilizou um croqui, a ACEM recuperou a confiança dos escaladores de que é um local potencialmente seguro para escalar, e a ACEM continua trabalhando para que tenhamos certeza se há ou não riscos nas proteções de aço-inox à Beira-mar. E por isso estão sendo feitas coletas, pela ACEM, de amostras geológicas para o Anchor Corrosion Group da UIAA. O objetivo do grupo é entender as diferenças que fazem com que ocorram fraturas em alguns lugares, como na Tailândia, e não ocorram em outros, como na costa leste da Austrália e como parece ser o caso do Campo Escola da Barra da Lagoa. Acho que isso responde à primeira pergunta.

Por fim, vale lembrar que aqui estamos tratando somente do Campo Escola da Barra da Lagoa, uma das várias áreas de escalada da Grande Florianópolis …

Rodrigo Castelan Carlson
Florianópolis, 25 de julho de 2018.

– Para saber mais sobre o Campo Escola da Barra da Lagoa, um pouco da história, e vias: http://www.climbingfloripa.com.br/campo-escola-da-barra-da-lagoa/.
– Para saber mais sobre os problemas de quebra de proteções de aço-inox à beira-mar e os testes realizados no Campo Escola da Barra da Lagoa: https://www.acem.org.br/2017/12/22/teste-das-protecoes-no-setor-novo-da-barra/
– Para saber mais sobre o projeto piloto que instalou grampos de titânio em um das vias do Campo Escola da Barra da Lagoa: https://www.acem.org.br/2017/12/22/acem-realiza-projeto-piloto-com-grampos-de-titanio

– Para saber sobre proteções adicionais de titânio instaladas no Campo Escola da Barra da Lagoa: https://www.acem.org.br/2018/05/28/encontro-de-escalada-no-setor-novo-da-barra/
– Para saber mais sobre a participação no I Seminário de Ancoragens Fixas em Áreas Naturais: https://docs.google.com/document/d/1_CWeHpLiA8N0peIqfHIxJYaVL_JVtpFcmELbj38PZzc/edit

Crédito das fotos em ordem: Rodrigo Castelan Carlson, Adriano Pina Pereira, Cristiano da Silva Teixeira, Adriano Pina Pereira, Norberto Kuhn Jr., Climbing Floripa.
Contribuíram com comentários e sugestões sobre as versões preliminares: Adriano Pina Pereira, Jomi Fred Hübner e Heitor Kagueiama.

 

Vias do setor escola na Barra da Lagoa

Imagem de microscópio das chapas retiradas da Barra.

Material coletado para o projeto de estudo de proteções fixas da UIAA

Grampo de titânio instalado na Barra

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